Pelo menos quatro concursos para a edificação de novas cadeias foram anulados. Os construtores não se interessam devido às dificuldades que antevêem na execução das obras pelos valores propostos pelo Ministério da Justiça.
O Ministério da Justiça está a sentir dificuldades em levar avante o plano de construção de novos estabelecimentos prisionais. Em vários casos, pelo menos em quatro, os concursos têm sido anulados, já que não surgem empresas interessadas em realizar as obras, mediante as condições financeiras impostas pelo Estado. A construção de prisões envolve muitos milhões de euros e o custo de uma cela, em média, custa quase tanto como a de um quarto num hotel de cinco estrelas.
O concurso para o Estabelecimento Prisional de Lisboa e Vale do Tejo, para substituir o actual Estabelecimento Prisional de Lisboa, foi lançado o ano passado pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra- -Estruturas da Justiça pelo valor-base de 55 milhões de euros. Mas, ninguém quis pegar na obra, mesmo sabendo-se que ao valor-base acresce sempre os tais 25% para os derrapanços. O concurso foi anulado.
Anulado foi também o concurso para a nova prisão de Grândola. O valor-base deste estabelecimento prisional, para substituir o de Pinheiro da Cruz, também com capacidade para 800 reclusos, foi lançado pelo preço-base de 50 milhões. Porém, ninguém se atreveu a pegar na obra por menos de 62 milhões, que é o limite máximo, tendo em conta o tecto dos 25% para os "ajustes".
Os concursos para os novos estabelecimentos prisionais de Évora e de Castelo Branco foram igualmente anulados por não haver empreiteiros que pegassem nas obras pelo valor de 25 milhões de euros cada.
Estes são os concursos para novas cadeias que já foram lançados e que estão a dar problemas na sua concretização. O novo mapa prisional (ver texto ao lado) deve ficar concluído até 2013 e prevê a construção de dez novos estabelecimentos prisionais, com condições superiores às existentes actualmente.
Com as devidas diferenças, devido às questões de segurança e de materiais utilizados, a edificação de uma cela prisional é quase igual à de um quarto de um hotel de cinco estrelas no centro de uma cidade portuguesa.
No caso do hotel, o preço médio por quarto oscila entre os 117 mil e os 155 mil euros. No caso da prisão, o Governo lançou um concurso para a construção do estabelecimento prisional em Almeirim, em que o preço médio por cela sai a 112 500 euros, incluindo o terreno, e nenhum empreiteiro quis a obra por considerar o valor insuficiente para conseguir concretizá-la nos prazos e condições exigidos.
De acordo com a consultora imobiliária global Cushman & Wakefield (C&W), a construção de um hotel de cinco estrelas em centro de cidade, em Portugal, tem um custo por quarto entre os 117 e os 153 mil euros. Na construção de um hotel de quatro estrelas, nas mesmas condições, o custo por quarto fica entre 86 mil e 98 mil euros. Em três estrelas, o custo por quarto fica entre 55 mil e os 65 mil. Em hotéis budget, o preço de construção fica em media, por quarto, entre os 30 e os 40 mil euros.
Poder-se-ia pensar que o custo médio de uma cela na construção de uma prisão, fora dos centros urbanos, ficaria mais barato. Mas não. No caso do Estabelecimento Prisional de Lisboa e Vale do Tejo, programado para Almeirim, com 800 celas, o concurso de construção foi lançado por 55 milhões de euros, sabendo-se que, no final, a obra atinge os 68,5 milhões, valor 25% acima do preço-base, que é o máximo até onde podem acrescer os "derrapanços" das obras públicas. Nenhuma obra do Estado fica abaixo deste limite máximo.
Dividindo, então, aqueles 68,5 milhões de euros por 800 celas, o resultado é que cada uma custa, em média, cerca de 86 mil euros. Ou seja, tanto quanto custa um quarto de hotel de quatro estrelas construído em centro de cidade. Mas, no caso do hotel, contabiliza--se o preço do terreno, ao passo que no orçamento da prisão esse custo não está incluído.
Assim, aos 68,5 milhões de euros teria de se somar mais um terço desse montante, que é a média do custo de um terreno relativamente ao valor da obra. Ou seja, o custo total será de cerca de 90 milhões de euros. Assim, cada cela, no Estabelecimento Prisional de Lisboa e Vale do Tejo, vai custar, em média, 112 500 euros, ou seja, quase tanto quanto um quarto de hotel de cinco estrelas no centro de uma cidade
Debate de temas sobre a Policia Judiciária, investigação criminal, prática judiciária e temas de direito. Se quiser enviar artigos: invescriminal@gmail.com
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
sábado, 19 de dezembro de 2009
Ministério Justiça arrenda imóveis à revelia de pareceres
Ministério da Justiça manteve a política de arrendamento de edifícios, para instalação dos seus serviços, ignorando um parecer do seu próprio Instituto de Gestão Financeira, de 2005, que apontava a compra de imóveis em regime de 'leasing' como sendo economicamente muito mais vantajosa
O Ministério da Justiça (MJ) , na legislatura anterior, ignorou um parecer do seu próprio Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I. P. (IGFIJ), de 2005, que defendia a compra de edifícios em leasing em vez de arrendamentos.
A entidade entendia que a opção pela compra em leasing significaria uma poupança mensal de cerca de 600 mil euros, sendo que ao fim de 15 anos os edifícios passariam a património do Estado. Na altura, o Instituto já gastava cerca de 2,4 milhões de euros em rendas por mês, 28,8 milhões por ano. Este parecer, no entanto, caiu em saco roto. O seu autor, António Morais, que presidia à entidade, foi mais tarde exonerado do cargo acusado de irregularidade na contratação de uma cidadã brasileira. O MJ, entretanto, manteve sempre a mesma política, arrendando não só património de terceiros mas também outro de que antes havia sido proprietário, como é o caso das prisões de Lisboa e de Pinheiro da Cruz. Pelo Campus da Justiça, em Lisboa, passou a pagar 1,2 milhões de euros de renda por mês.
"Com a proposta presente consegue-se passar de uma despesa mensal de cerca de 2400 000 euros (sem que a propriedade venha à posse do Estado) para um montante de cerca de 1865 000 de euros, com a vantagem acrescida e fundamental da propriedade, ao fim de 15 anos, reverter para o Estado", lê-se no parecer do IGFIJ de 2005 a que o DN teve acesso.
Nesse mesmo documento, para fundamentar a diminuição da despesa, explica-se: "A diferença presente no valor da renda nas duas situações, arrendamento comercial ou compra em leasing, deve-se às distintas taxas de juro praticadas pelo mercado. No arrendamento comercial as taxas variam usualmente entre 6 e 8%, enquanto na modalidade leasing as entidades financeiras praticam a taxa Euribor 0,5 a 0,8%, ou seja, cerca de 2,8%."
No parecer a que o DN teve acesso, lê-se ainda: "De facto, a política de pagar rendas sem existir propriedade do Estado parece-nos uma política ineficiente." Este parecer, no entanto, não foi tido em conta pelo MJ. Note-se que hoje o valor das rendas terá triplicado. O DN aguarda que o MJ nos informe sobre este montante.
Ministério pagou renda por andar que nunca ocupou
O Ministério da Justiça (MJ) manteve arrendado durante quatro anos um andar de cem metros quadrados em Castelo Banco que custava cerca de 15 mil euros por mês. O imóvel, já degradado e muito antigo, nunca foi usado pelos serviços da Justiça. O contrato foi denunciado em 2005.
Este é apenas um exemplo dos "maus" negócios da Justiça. Outro caso é o da tentativa falhada de uma nova sede para a Polícia Judiciária. A denúncia do contrato de construção com a empresa Teixeira Duarte, quando as obras já estavam a decorrer, significou um prejuízo para o Estado na ordem dos 75 milhões de euros. A construtora, a título indemnizatório, ficou proprietária dos terrenos situados em zona privilegiada.
Outros negócios são objecto de críticas, nomeadamente a opção pelo arrendamento do Campus da Justiça, no Parque das Nações, onde o Ministério está a pagar cerca de 1,2 milhões de euros por mês.
O DN sabe que alguns imóveis onde funcionam serviços da Justiça foram adquiridos por particulares para serem arrendados logo a seguir ao MJ, como é o caso, por exemplo, do edifício onde funciona actualmente o Tribunal do Trabalho (na foto). O edifício ao lado do tribunal de Oeiras, onde funcionam os juízes de execução e as conservatórias, foi mandado construir por um particular para o arrendar logo a seguir ao MJ.
O CDS e o PCP já anunciaram requerer a ida do ministro da Justiça ao Parlamento para explicar a questão das rendas.
LICÍNIO LIMA | DIÁRIO DE NOTÍCIAS | 15.12.2009
O Ministério da Justiça (MJ) , na legislatura anterior, ignorou um parecer do seu próprio Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I. P. (IGFIJ), de 2005, que defendia a compra de edifícios em leasing em vez de arrendamentos.
A entidade entendia que a opção pela compra em leasing significaria uma poupança mensal de cerca de 600 mil euros, sendo que ao fim de 15 anos os edifícios passariam a património do Estado. Na altura, o Instituto já gastava cerca de 2,4 milhões de euros em rendas por mês, 28,8 milhões por ano. Este parecer, no entanto, caiu em saco roto. O seu autor, António Morais, que presidia à entidade, foi mais tarde exonerado do cargo acusado de irregularidade na contratação de uma cidadã brasileira. O MJ, entretanto, manteve sempre a mesma política, arrendando não só património de terceiros mas também outro de que antes havia sido proprietário, como é o caso das prisões de Lisboa e de Pinheiro da Cruz. Pelo Campus da Justiça, em Lisboa, passou a pagar 1,2 milhões de euros de renda por mês.
"Com a proposta presente consegue-se passar de uma despesa mensal de cerca de 2400 000 euros (sem que a propriedade venha à posse do Estado) para um montante de cerca de 1865 000 de euros, com a vantagem acrescida e fundamental da propriedade, ao fim de 15 anos, reverter para o Estado", lê-se no parecer do IGFIJ de 2005 a que o DN teve acesso.
Nesse mesmo documento, para fundamentar a diminuição da despesa, explica-se: "A diferença presente no valor da renda nas duas situações, arrendamento comercial ou compra em leasing, deve-se às distintas taxas de juro praticadas pelo mercado. No arrendamento comercial as taxas variam usualmente entre 6 e 8%, enquanto na modalidade leasing as entidades financeiras praticam a taxa Euribor 0,5 a 0,8%, ou seja, cerca de 2,8%."
No parecer a que o DN teve acesso, lê-se ainda: "De facto, a política de pagar rendas sem existir propriedade do Estado parece-nos uma política ineficiente." Este parecer, no entanto, não foi tido em conta pelo MJ. Note-se que hoje o valor das rendas terá triplicado. O DN aguarda que o MJ nos informe sobre este montante.
Ministério pagou renda por andar que nunca ocupou
O Ministério da Justiça (MJ) manteve arrendado durante quatro anos um andar de cem metros quadrados em Castelo Banco que custava cerca de 15 mil euros por mês. O imóvel, já degradado e muito antigo, nunca foi usado pelos serviços da Justiça. O contrato foi denunciado em 2005.
Este é apenas um exemplo dos "maus" negócios da Justiça. Outro caso é o da tentativa falhada de uma nova sede para a Polícia Judiciária. A denúncia do contrato de construção com a empresa Teixeira Duarte, quando as obras já estavam a decorrer, significou um prejuízo para o Estado na ordem dos 75 milhões de euros. A construtora, a título indemnizatório, ficou proprietária dos terrenos situados em zona privilegiada.
Outros negócios são objecto de críticas, nomeadamente a opção pelo arrendamento do Campus da Justiça, no Parque das Nações, onde o Ministério está a pagar cerca de 1,2 milhões de euros por mês.
O DN sabe que alguns imóveis onde funcionam serviços da Justiça foram adquiridos por particulares para serem arrendados logo a seguir ao MJ, como é o caso, por exemplo, do edifício onde funciona actualmente o Tribunal do Trabalho (na foto). O edifício ao lado do tribunal de Oeiras, onde funcionam os juízes de execução e as conservatórias, foi mandado construir por um particular para o arrendar logo a seguir ao MJ.
O CDS e o PCP já anunciaram requerer a ida do ministro da Justiça ao Parlamento para explicar a questão das rendas.
LICÍNIO LIMA | DIÁRIO DE NOTÍCIAS | 15.12.2009
sábado, 12 de dezembro de 2009
Faltam castigos exemplares que desincentivem a corrupção
Faltam castigos exemplares que desincentivem a corrupção"
Por Nuno Pacheco, Raquel Abecassis (RR) e Shamila Mussá (fotos)
O general Garcia dos Santos aponta o poder político como parte do problema da corrupção e acusa os presidentes de nada fazerem
Garcia dos Santos
Foi uma entrevista sua em Outubro de 1998, ao semanário Expresso, denunciando casos de corrupção na JAE (Junta Autónoma das Estradas, hoje Estradas de Portugal), que levou à criação de uma comissão parlamentar para investigar casos de corrupção. Passados mais de dez anos a corrupção volta à ribalta e o general Garcia dos Santos, 74 anos, engenheiro civil, ex-chefe do Estado- Maior do Exército (1983/2) e ex-presidente da JAE (1997-98), retoma, em entrevista ao programa Diga Lá Excelência, algumas das suas críticas mais veementes.
Passaram-se mais de dez anos sobre o caso JAE. O que acha que impediu que esse caso fosse cabalmente esclarecido e que houvesse resultados práticos da sua denúncia?Houve algumas punições, como resultado da sindicância então feita, mas houve um amortecimento sobre a situação propriamente dita da corrupção. Denunciei isso junto da comissão parlamentar de inquérito...
Mas foi-lhe pedido que desse nomes e recusou-se a fazê-lo.
Exactamente. Houve empreiteiros que me disseram que davam dinheiro para isto e para aquilo ao senhor tal e ao partido tal, mas quando eu lhes perguntei se eventualmente quereriam denunciar isso junto da comissão parlamentar de inquérito, recusaram todos lá ir. E como não me autorizaram a dar os nomes deles eu recusei-me a identificá-los na comissão, isso constituiu desobediência qualificada e, como tal, fui julgado. E acabei por ser o único condenado, com uma multa de 150 ou 160 contos.
Mas foi também à Procuradoria-Geral da República.
Na altura o procurador era o dr. Cunha Rodrigues. Quando lhe apresentei o caso, perguntou-me: "Tem provas?" "Não, o senhor é que tem obrigação de as procurar", disse-lhe eu. "Então se não tem provas é escusado continuarmos a conversa."
Como vê o regresso da corrupção à ribalta e os pacotes legislativos que têm vindo a ser discutidos no Parlamento?O problema da corrupção não tem solução em termos de acabar definitivamente. Porque a burocracia facilita-a e vice-versa. Mas o facto de a justiça não punir exemplarmente umas quantas pessoas e demorar imenso tempo na recolha das culpabilidades acaba por ser um incentivo ao aumento da corrupção. Se um corrupto fosse punido exemplarmente, isso serviria de exemplo.
Mas há uma dificuldade: a produção de prova. Há alguma maneira de ultrapassar isso?
A corrupção não é fácil de provar porque não há recibos, não há cheques nem facturas nem nada. O dinheiro é entregue em notas. Só se os intervenientes denunciarem. E mesmo assim é difícil porque os outros podem dizer: "Prove!" E não há provas. Mas tem que haver uma solução, porque isto não pode continuar assim.
Mas acha que é sobretudo com leis que se resolve isso?
Portugal é um país onde prolifera a legislação. E julgo, embora não seja especialista, que haverá leis suficientes para aplicar a situações deste tipo. O que falta são castigos exemplares que desincentivem a corrupção. Esse é o problema principal.
O sistema político e partidário que temos está interessado em travar a corrupção? Ou é parte do problema?
É uma das partes do problema, claramente. Porque essas vias são uma possibilidade de financiamento dos partidos políticos.
Mas a lei de financiamento dos partidos mudou. Isso não atenua tais práticas?
Penso que terá atenuado. Mas, como sempre, à boa maneira portuguesa, somos especialistas em fugir à lei. Por isso não há uma diminuição clara da corrupção.
O presidente do Tribunal de Contas sugere uma forma diferente de proceder a concursos públicos, atribuir empreitadas, etc. Acha que pode ser uma solução?
Pode ser uma solução importante. Mas a legislação é muito complicada e por vezes a dificuldade que existe na atribuição, na abertura de concursos públicos e na adjudicação leva a que se procure facilitar e apressar, fugindo a processos que seriam controláveis.
Acha que há em Portugal uma cultura que beneficia este tipo de comportamentos? Nas eleições, por exemplo, vimos serem eleitos autarcas condenados por corrupção...
Penso que sim. O português, com o seu desenrascanço tradicional, procura sempre caminhos que possam acelerar as coisas ou obter meios, sobretudo financeiros, por portas travessas. Isto não é extensivo a todos os portugueses, pelo contrário. Porque não é a sociedade, são os processos que a sociedade utiliza. E aí a justiça tem uma forte palavra a dizer. Era preciso que a justiça fosse mais rápida e que pessoas com determinados perfis, corruptas, fossem punidas exemplarmente.
O que acha que tem impedido essa justiça exemplar?
Talvez um certo facilitismo. É preciso responsabilizar. Se num determinado organismo existe corrupção, nem era preciso ir a tribunal, os responsáveis tinham obrigação de punir os corruptos. E muitas vezes isso não se faz.
Falou, há pouco, em entraves. Acha que um deles é o próprio poder político?
Acho que sim. O poder político tem muitas culpas nesta situação. E eu penso que o primeiro responsável por isso é o Presidente da República. Porque tem obrigação de chamar a atenção para estas situações e impor ao governo a resolução dos problemas.
O presidente Jorge Sampaio por diversas vezes se referiu a esse fenómeno...
O dr. Jorge Sampaio, quando foi Presidente da República, não fez absolutamente nada. Eu tive ocasião de lhe escrever uma carta fazendo-lhe algumas sugestões. Nem me respondeu. E agora aparece com linhas de estratégia para o país. Dá vontade de rir!
Acha que o actual Presidente, Cavaco Silva, tem mais em linha de conta essa preocupação?Não, não tem nenhuma. Está calado, não faz rigorosamente nada nesta área e tinha a obrigação de fazer.
Se lhe dessem a si, agora, oportunidade de tomar três grandes medidas de combate à corrupção, o que faria?
A medida número um era responsabilizar as pessoas que estão à frente de determinados organismos. Se houvesse denúncias ou conhecimento de corrupção, tinham que agir e punir os infractores. Se não punissem, eram eles próprios afastados e punidos, porque não tinham actuado. Enquanto isto não se fizer, não há responsabilidade nenhuma. A segunda medida era arranjar forma de detectar os processos de corrupção. E a justiça devia ser mais célere. Se não tem meios, pugne para os ter. Está a dormir!
Por Nuno Pacheco, Raquel Abecassis (RR) e Shamila Mussá (fotos)
O general Garcia dos Santos aponta o poder político como parte do problema da corrupção e acusa os presidentes de nada fazerem
Garcia dos Santos
Foi uma entrevista sua em Outubro de 1998, ao semanário Expresso, denunciando casos de corrupção na JAE (Junta Autónoma das Estradas, hoje Estradas de Portugal), que levou à criação de uma comissão parlamentar para investigar casos de corrupção. Passados mais de dez anos a corrupção volta à ribalta e o general Garcia dos Santos, 74 anos, engenheiro civil, ex-chefe do Estado- Maior do Exército (1983/2) e ex-presidente da JAE (1997-98), retoma, em entrevista ao programa Diga Lá Excelência, algumas das suas críticas mais veementes.
Passaram-se mais de dez anos sobre o caso JAE. O que acha que impediu que esse caso fosse cabalmente esclarecido e que houvesse resultados práticos da sua denúncia?Houve algumas punições, como resultado da sindicância então feita, mas houve um amortecimento sobre a situação propriamente dita da corrupção. Denunciei isso junto da comissão parlamentar de inquérito...
Mas foi-lhe pedido que desse nomes e recusou-se a fazê-lo.
Exactamente. Houve empreiteiros que me disseram que davam dinheiro para isto e para aquilo ao senhor tal e ao partido tal, mas quando eu lhes perguntei se eventualmente quereriam denunciar isso junto da comissão parlamentar de inquérito, recusaram todos lá ir. E como não me autorizaram a dar os nomes deles eu recusei-me a identificá-los na comissão, isso constituiu desobediência qualificada e, como tal, fui julgado. E acabei por ser o único condenado, com uma multa de 150 ou 160 contos.
Mas foi também à Procuradoria-Geral da República.
Na altura o procurador era o dr. Cunha Rodrigues. Quando lhe apresentei o caso, perguntou-me: "Tem provas?" "Não, o senhor é que tem obrigação de as procurar", disse-lhe eu. "Então se não tem provas é escusado continuarmos a conversa."
Como vê o regresso da corrupção à ribalta e os pacotes legislativos que têm vindo a ser discutidos no Parlamento?O problema da corrupção não tem solução em termos de acabar definitivamente. Porque a burocracia facilita-a e vice-versa. Mas o facto de a justiça não punir exemplarmente umas quantas pessoas e demorar imenso tempo na recolha das culpabilidades acaba por ser um incentivo ao aumento da corrupção. Se um corrupto fosse punido exemplarmente, isso serviria de exemplo.
Mas há uma dificuldade: a produção de prova. Há alguma maneira de ultrapassar isso?
A corrupção não é fácil de provar porque não há recibos, não há cheques nem facturas nem nada. O dinheiro é entregue em notas. Só se os intervenientes denunciarem. E mesmo assim é difícil porque os outros podem dizer: "Prove!" E não há provas. Mas tem que haver uma solução, porque isto não pode continuar assim.
Mas acha que é sobretudo com leis que se resolve isso?
Portugal é um país onde prolifera a legislação. E julgo, embora não seja especialista, que haverá leis suficientes para aplicar a situações deste tipo. O que falta são castigos exemplares que desincentivem a corrupção. Esse é o problema principal.
O sistema político e partidário que temos está interessado em travar a corrupção? Ou é parte do problema?
É uma das partes do problema, claramente. Porque essas vias são uma possibilidade de financiamento dos partidos políticos.
Mas a lei de financiamento dos partidos mudou. Isso não atenua tais práticas?
Penso que terá atenuado. Mas, como sempre, à boa maneira portuguesa, somos especialistas em fugir à lei. Por isso não há uma diminuição clara da corrupção.
O presidente do Tribunal de Contas sugere uma forma diferente de proceder a concursos públicos, atribuir empreitadas, etc. Acha que pode ser uma solução?
Pode ser uma solução importante. Mas a legislação é muito complicada e por vezes a dificuldade que existe na atribuição, na abertura de concursos públicos e na adjudicação leva a que se procure facilitar e apressar, fugindo a processos que seriam controláveis.
Acha que há em Portugal uma cultura que beneficia este tipo de comportamentos? Nas eleições, por exemplo, vimos serem eleitos autarcas condenados por corrupção...
Penso que sim. O português, com o seu desenrascanço tradicional, procura sempre caminhos que possam acelerar as coisas ou obter meios, sobretudo financeiros, por portas travessas. Isto não é extensivo a todos os portugueses, pelo contrário. Porque não é a sociedade, são os processos que a sociedade utiliza. E aí a justiça tem uma forte palavra a dizer. Era preciso que a justiça fosse mais rápida e que pessoas com determinados perfis, corruptas, fossem punidas exemplarmente.
O que acha que tem impedido essa justiça exemplar?
Talvez um certo facilitismo. É preciso responsabilizar. Se num determinado organismo existe corrupção, nem era preciso ir a tribunal, os responsáveis tinham obrigação de punir os corruptos. E muitas vezes isso não se faz.
Falou, há pouco, em entraves. Acha que um deles é o próprio poder político?
Acho que sim. O poder político tem muitas culpas nesta situação. E eu penso que o primeiro responsável por isso é o Presidente da República. Porque tem obrigação de chamar a atenção para estas situações e impor ao governo a resolução dos problemas.
O presidente Jorge Sampaio por diversas vezes se referiu a esse fenómeno...
O dr. Jorge Sampaio, quando foi Presidente da República, não fez absolutamente nada. Eu tive ocasião de lhe escrever uma carta fazendo-lhe algumas sugestões. Nem me respondeu. E agora aparece com linhas de estratégia para o país. Dá vontade de rir!
Acha que o actual Presidente, Cavaco Silva, tem mais em linha de conta essa preocupação?Não, não tem nenhuma. Está calado, não faz rigorosamente nada nesta área e tinha a obrigação de fazer.
Se lhe dessem a si, agora, oportunidade de tomar três grandes medidas de combate à corrupção, o que faria?
A medida número um era responsabilizar as pessoas que estão à frente de determinados organismos. Se houvesse denúncias ou conhecimento de corrupção, tinham que agir e punir os infractores. Se não punissem, eram eles próprios afastados e punidos, porque não tinham actuado. Enquanto isto não se fizer, não há responsabilidade nenhuma. A segunda medida era arranjar forma de detectar os processos de corrupção. E a justiça devia ser mais célere. Se não tem meios, pugne para os ter. Está a dormir!
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Associação Sindical da PJ diz que combate à corrupção não se faz com criação de novo tipo de crime Ontem
O presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal (ASFIC) da PJ disse hoje não acreditar que a criação de um novo tipo de crime (enriquecimento ilícito) "por si só possa ser a solução para todos os problemas do combate à corrupção".
Carlos Anjos falava aos jornalistas no final de uma reunião com o grupo parlamentar do PCP, durante a qual abordou ainda questões relacionadas com a situação laboral na Polícia Judiciária (PJ), a reforma penal e o pacote de medidas anti-corrupção que a ASFIC está a apresentar aos partidos com assento na Assembleia da República.
Dizendo não acreditar que a criação na lei de um tipo de crime seja a solução para todos os problemas de corrupção, Carlos Anjos considerou que aquele combate passa por um conjunto de medidas que abranjam não só a corrupção mas também os crimes conexos como a participação económica em negócio, peculato, abuso de poder e outros ilícitos.
O dirigente da ASFIC disse ser fundamental que no combate a estes crimes não se volte a fazer uma "reforma falhada" das leis penais e processuais penais, mas de forma a "produzir resultados".
Realçou a importância do levantamento do sigilo bncário, mas quanto à figura do enriquecimento ilícito observou que tudo dependerá da forma como será "trabalhada", pois em 90 por cento dos casos os infractores não têm os bens no seu nome.
"Não basta criar o crime, é preciso ver qual o seu conteúdo e as ferramentas de trabalho. Senão corremos o risco de morrer na praia", avisou.
No domínio do combate à corrupção, Carlos Anjos admitiu que a introdução da inibição do exercício de cargos públicos por quem for condenado por esse crime "se calhar" obteria um melhor resultado do que a solução do enriquecimento ilícito que é de "prova difícil".
O presidente da ASFIC revelou ainda que existe um défice de pessoal ao nível da PJ, pois o quadro deveria ter 1700 elementos e tem apenas 1250, sendo que os 150 inspectores prometidos há anos pelo ex-ministro da Justiça Alberto Costa só entram em funções em Abril de 2010 e nem sequer cobrem a saída dos 240 que saíram com as reformas antecipadas.
"Um inspector demora dois anos a ser formado", observou, notando que sistematicamente anunciam que vão abrir novos concursos públicos, mas que isso acaba por não acontecer.
No dia 10 de Novembro deste ano, o gabinete do novo ministro da Justiça, Alberto Martins, anunciou a autorização para a abertura de concurso para a admissão de 100 inspectores para a Polícia Judiciária, bem como de 12 especialistas superiores e 14 especialistas adjuntos.
A PJ é o principal órgão policial de investigação criminal em Portugal, vocacionado para o combate à grande criminalidade, nomeadamente ao crime organizado, terrorismo, tráfico de estupefacientes, corrupção e criminalidade económica e financeira.
Carlos Anjos falava aos jornalistas no final de uma reunião com o grupo parlamentar do PCP, durante a qual abordou ainda questões relacionadas com a situação laboral na Polícia Judiciária (PJ), a reforma penal e o pacote de medidas anti-corrupção que a ASFIC está a apresentar aos partidos com assento na Assembleia da República.
Dizendo não acreditar que a criação na lei de um tipo de crime seja a solução para todos os problemas de corrupção, Carlos Anjos considerou que aquele combate passa por um conjunto de medidas que abranjam não só a corrupção mas também os crimes conexos como a participação económica em negócio, peculato, abuso de poder e outros ilícitos.
O dirigente da ASFIC disse ser fundamental que no combate a estes crimes não se volte a fazer uma "reforma falhada" das leis penais e processuais penais, mas de forma a "produzir resultados".
Realçou a importância do levantamento do sigilo bncário, mas quanto à figura do enriquecimento ilícito observou que tudo dependerá da forma como será "trabalhada", pois em 90 por cento dos casos os infractores não têm os bens no seu nome.
"Não basta criar o crime, é preciso ver qual o seu conteúdo e as ferramentas de trabalho. Senão corremos o risco de morrer na praia", avisou.
No domínio do combate à corrupção, Carlos Anjos admitiu que a introdução da inibição do exercício de cargos públicos por quem for condenado por esse crime "se calhar" obteria um melhor resultado do que a solução do enriquecimento ilícito que é de "prova difícil".
O presidente da ASFIC revelou ainda que existe um défice de pessoal ao nível da PJ, pois o quadro deveria ter 1700 elementos e tem apenas 1250, sendo que os 150 inspectores prometidos há anos pelo ex-ministro da Justiça Alberto Costa só entram em funções em Abril de 2010 e nem sequer cobrem a saída dos 240 que saíram com as reformas antecipadas.
"Um inspector demora dois anos a ser formado", observou, notando que sistematicamente anunciam que vão abrir novos concursos públicos, mas que isso acaba por não acontecer.
No dia 10 de Novembro deste ano, o gabinete do novo ministro da Justiça, Alberto Martins, anunciou a autorização para a abertura de concurso para a admissão de 100 inspectores para a Polícia Judiciária, bem como de 12 especialistas superiores e 14 especialistas adjuntos.
A PJ é o principal órgão policial de investigação criminal em Portugal, vocacionado para o combate à grande criminalidade, nomeadamente ao crime organizado, terrorismo, tráfico de estupefacientes, corrupção e criminalidade económica e financeira.
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