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domingo, 10 de janeiro de 2010

Coment(d)ador CARLOS ANJOS

Entrevista a Carlos Anjos Presidente da ASFIC- incrível como não apontou uma única questão laboral (Piquete, Prevenções, trabalho suplementar, falta de funcionários) será que já estão acertadas e não sabemos?
Entrevista: Carlos Anjos
“Ninguém é preso em Portugal por corrupção” (C/VÍDEO)
Carlos Anjos, inspector da PJ, espera que as penas se alterem para haver corruptos presos em Portugal.

Correio da Manhã/Rádio Clube - Depois de tantos anos atribulados na Justiça, com os casos Freeport e Face Oculta, 2010 poderá ser um ano de mais paz?

Carlos Anjos - Não sei se pode. Estou esperançado que sim e era bom que assim acontecesse. Não só em relação aos processos correntes mas inclusivamente à gestão do próprio Ministério da Justiça, que tem sido, nos últimos quatro anos, mas especialmente nos últimos dois em que se fez sentir o peso de algumas pseudo-reformas feitas pelo anterior ministro da Justiça, foram apenas catastróficos para a Justiça em Portugal.

ARF - Tem esperança que isso mude?

- Tenho. Assistimos com alguma naturalidade ao ruir daquilo que nos últimos quatro anos foi feito e o ruir quase pedra por pedra.

ND - Então é recuperar terreno mais do que construir algo de novo?

- Eu acho que neste momento o que era desejável na Justiça é que recuperássemos terreno construindo alguma coisa de novo. Nós temos de ter forçosamente uma Justiça mais rápida. E sabemos porque é que a Justiça é lenta. Os diagnósticos estão todos feitos. Sabemos nós, sabem os políticos, essencialmente sabe a classe política. Eu costumo dizer que o caso Madoff nunca poderia ser julgado em Portugal com a rapidez que o foi nos Estados Unidos.

ARF - Porquê?

- Porque a nossa lei não permite que aquilo aconteça assim. Nós temos o exemplo do caso Casa Pia. Vamos ter outros exemplos assim. Porque tudo aquilo que é produzido em sede de inquérito em Portugal não vale rigorosamente nada em sede de julgamento. Em sede de julgamento tem de ser repetido tudo aquilo que é feito em sede de inquérito. A nossa Justiça não está a ser preparada para ser rápida.

ARF - Isso é de propósito, não é?

- Não acredito que seja inocentemente ou que as pessoas não vejam isso. Eu não acho que os polícias e os magistrados do Ministério Público e judiciais sejam mais espertos que o legislador. Se toda a gente já detectou os nós górdios do sistema e eles não foram corrigidos é porque se quer que o sistema esteja assim.

ARF - Pois.

- Não se percebe que o inquérito não valha nada em julgamento quando os arguidos têm todos os direitos e garantias na fase de inquérito.

ND - Há um garantismo redundante, é isso?

- Claramente. Nós temos isso no caso Casa Pia. Não percebemos porque é que o julgamento se arrasta há cinco anos.

ARF - Cinco anos.

- Eu não consigo entender, por exemplo, que o processo Portucale, que demorou a investigar ano e meio, está há dois anos sem se conseguir fazer instrução. Esta situação urge ser resolvida. Numa primeira fase o que é mais urgente resolver são exactamente os pontos que chamámos atenção sobre os códigos de 2007 e que iriam parar o sistema. A prisão preventiva, a prisão fora do flagrante delito, o segredo de justiça, tudo isso tem de ser resolvido rapidamente e depois pensar com alguma calma na reestruturação do sistema de fio a pavio, mas com honestidade.

ARF - O que é que quer dizer com isso?

- Ou seja, reestruturá-lo para melhorá-lo. Porque se ficar igual ou pior então mais vale ficarmos quietos.

ND - Mas onde é que está o principal problema? No processo ou está antes na investigação?

- Os problemas acontecem na investigação exactamente pelo processo. Só há investigação cumprindo as regras do processo, porque se não é ilegal. E o processo não nos deixa andar mais depressa. Aliás, acho que a investigação criminal começou nos últimos anos a dar sinais de impotência, sinais maus para as pessoas honestas e para os criminosos.

ARF - Sentem-se impunes?

- Não há nada pior para um sistema que é alguém que comete um crime apresentar-se voluntariamente e ser posto em liberdade duas horas depois.

ND - É por isso que se diz que os polícias não gostam dos tribunais?

- Não, não sinto que os polícias não gostem dos tribunais. Os polícias não gostam é de algumas das leis que se fazem que têm de cumprir e que os tribunais também aplicam. Mas dessas leis ninguém gosta, polícias e juízes.

ND - Ninguém gosta das leis.

- A partir de 2007, com a reforma penal e outras, o que o Governo anterior conseguiu foi unir os profissionais do foro, à excepção da Ordem dos Advogados, todos a remar para o mesmo lado. Não me lembro de tamanha união. Em tudo.

ARF - Na investigação não há grandes deficiências por parte do Ministério Público?

- Há. Aí não é a lei. São mais as pessoas. Não há magistrados do Ministério Público suficientes para dirigir todas as investigações. Sejamos claros. E portanto o Ministério Público escolherá aquelas que são mais importantes. É complicado para os polícias saberem porque é que o Ministério Público tem comportamentos diferentes em vários processos. Em uns está empenhado, em outros só pede informações e há os em que delega na PJ o processo e fica satisfeito com tudo o que recebe.

ARF - Há comportamentos muito distintos?

- Estes comportamentos distintos geram por vezes algum atrito. A questão mais complicada para nós é que não há uma hierarquia no Ministério Público, como nós temos na PJ, e que nos diga quais são os processos prioritários. Para cada magistrado o processo dele é prioritário e essa pressão cai para a polícia, que não tem meios para tratar todos os processos como prioritários.

ARF - Agora não há uma lei que define essas prioridades?

- Temos. Quando saiu ainda tive alguma esperança que o Governo assumisse algum ónus nessa lei da prioridade e o Governo foi pelo caminho mais fácil. Declarou prioritários todos os crimes.

ARF - Todos?

- Todos. E quando se diz que todos são prioritários nenhum é prioritário. Estamos como estávamos, com a vantagem de termos uma lei que antes não tínhamos. Mas nada mudou. Devia era haver opções políticas, mas o Governo não teve essa coragem.

ARF - Há casos, como o dos submarinos, em que o Ministério Público avoca os processos e depois nunca mais acabam. Isto acontece muitas vezes?

- Não acontece muitas vezes, acontece em alguns casos mediáticos e acontece essencialmente com o DCIAP. O caso Portugale avançou e o dos submarinos não. Com o mesmo Governo e as mesmas pessoas. O DCIAP avocou o caso dos submarinos e a PJ ouve falar em buscas, só sabe das coisas pela Comunicação Social. Não se percebe este comportamento diferente. E há algumas situações que levantam certas questões contra algumas pessoas do Ministério Público.

ARF - Isso vem dar razão aos que falam em agendas políticas em alguns sectores do Ministério Público?

- Não tenho dados que me permitam dizer isso e quero acreditar que a esmagadora maioria dos magistrados do Ministério Público são pessoas íntegras. Neste momento, por exemplo, o seu sindicato está a tomar posições com grande coragem que contraria essas suspeitas. O que há é processos que, estranhamente, não têm o curso normal que deveriam ter e que a maior parte tem. E quando isso acontece devia haver uma justificação.

ARF - Vão ser anunciadas cinco ou seis alterações ao Código de Processo Penal de 2007. São positivas, é um remendo de emergência positivo?

- É um remendo de emergência positivo. São situações que foram logo detectadas em 2007 por todos os agentes judiciais. Não consigo perceber é como isto foi feito. Já nem tem paternidade.

ARF - E a corrupção? Como é que está a assistir ao debate em curso?

- Tem estado a haver um debate um pouco histérico em Portugal, que se centra exclusivamente no enriquecimento ilícito como se criminalizando o enriquecimento ilícito resolvêssemos todos os problemas da corrupção em Portugal. Nada mais errado e acho que toda a gente anda mal nesta matéria. Sobre a corrupção nós reagimos com leis avulsas. Mas nunca ninguém em Portugal pensou em fazer uma reforma profunda que fosse consistente, que tivesse princípio, meio e fim. Isso nunca foi feito. Fazemos tudo mais ou menos e na lei é igual. Ou fazemos leis perfeitas e que são inaplicáveis ou fazemos coisas para desenrascar o momento.

ARF - Mas também acha que criminalizar o enriquecimento ilícito é inconstitucional?

- Não, os argumentos do PS são errados. Não me parece nada.

ARF - Não há a inversão do ónus da prova?

- Não. O que é proposto neste caso é diferente. Uma pessoa ganha cem mil euros por ano e tem um património de um milhão de euros. Tem de explicar de onde é que lhe vieram os outros 900 mil euros. Mas não vamos fazer do enriquecimento ilícito a resolução do problema. Por uma razão. Todos os anos aumenta a quantidade de dinheiro que sai de Portugal para off-shores. Em 2009 atingiu-se o valor recorde: 1,4 % do PIB. Estamos a falar de muito dinheiro e património que não paga impostos. E há pessoas com um excelente nível de vida que têm o carro, a casa, o barco e outras coisas em off-shores. O que temos é de equiparar o usofruto dos bens à propriedade. De outra forma vamos receber do poder político um presente envenenado. Dão-nos o enriquecimento ilícito, nós não conseguimos resultados nenhuns e daqui a um ano vão-nos pedir contas.

ARF - Apresentam a factura.

- Pedem-nos contas e dizem que nós somos incompetentes porque tivemos aquele meio e não conseguimos descobrir coisíssima nenhuma. À cautela convém dizer às pessoas que esta não é seguramente a fórmula para resolver o problema.

ND - Estas alterações às leis processuais e a outras são feitas a metro ou a pedido de alguém? Há promiscuidade entre o poder e sociedades de advogados?

- Não tenho essa visão tão cáustica. Tenho uma visão ainda mais rebuscada e ainda um pouco mais grave. Nos últimos anos os Governos decidiram recorrer às universidades na feitura de alguns textos legais. E isso seria bom se a academia em Portugal conhecesse a sociedade em que vivemos. Acontece que não conhece. Vivem num mundo que abrange 10 ou 15 % da sociedade e fazem-se leis para esse universo restrito.

ARF - São mal feitas à partida?

- Sai logo coxa do legislador. E quando chega ao Parlamento perde-se muita coisa. Perdem-se vírgulas ou põem-se vírgulas a mais e depois criam-se alçapões nas leis.

ARF - Porquê?

- Eu tenho a minha ideia. Há erros tão crassos e há erros tão óbvios que não pode ser incompetência.

ARF - Será o quê?

- Má-fé, não sei. Honestamente não sei. Agora que é mau para a Justiça portuguesa porque sai toda a gente mal da fotografia não tenho dúvidas nenhumas.

ARF - Falou na histeria sobre a corrupção depois da Face Oculta. Acha que a comissão parlamentar vai dar resultados positivos?

- Tenho medo que isto seja mais do mesmo. Quando João Cravinho levantou o problema o Parlamento reagiu da mesma maneira. Fez uma comissão, organizou uma conferência, discutiu-se a corrupção durante dois dias e o resultado foi zero. O diagnóstico, mesmo no Parlamento, já tinha sido feito há dois anos..

ARF - Agora repete-se a história?

- Neste momento foi criada novamente uma comissão. Mas esta é uma questão da sociedade. Portugal acordou para a pedofilia com o caso Casa Pia e já condena a violência doméstica. O próximo abalo tem de ser contra a corrupção.

ND - Está convencido que isso vai acontecer?

- Estou. Porque tudo o que estamos a assistir, a esta mudança, não é porque os políticos queiram. É porque a sociedade o exige. O que levou os políticos a agirem foi o último inquérito da União Europeia sobre esta matéria que revelou que, em Portugal, em cada cem portugueses noventa e três estavam preocupados com a corrupção. Estamos, de facto, a assistir a uma transformação social.

ARF - Mas os portugueses não têm uma grande condescendência com a corrupção?

- Havia. Essencialmente com a pequena corrupção.

ND - Mas não é essa a raiz de tudo?

- Não é essa que me preocupa essencialmente.

ND - Mas isso é grave.

- Acho que esse tem sido o erro da legislação portuguesa. O próprio artigo da corrupção do Código Penal é feito para essa corrupção. O fiscal da Câmara, o polícia. É para a pequena corrupção. A corrupção que corrói os Estados, a corrupção e os crimes conexos, é a grande corrupção. Mas nas autarquias, por exemplo, o que me preocupa, o Estado deve preocupar-se é com a questão do PDM, dos terrenos que saem de reservas agrícolas e são urbanizáveis.

ARF - A legislação é só para os pequenos?

- É sempre para a pequena corrupção e nunca para a nova corrupção. Mas agora a pressão aumentou, nomeadamente por acção da comunicação social, e há políticos que começaram a ser tocados pelos processos de corrupção. E aí as pessoas começaram a não achar nenhuma piada. Este caldo de cultura começou de alguma forma a ferver e a fervilhar. E o pouco respeito que o Estado dá à corrupção e aos crimes conexos é as molduras penais desses crimes.

ARF - São muito brandas?

- Na última reforma o peculato, o favorecimento pessoal, o branqueamento de capitais são crimes prioritários e de grande complexidade. Mas depois a pena de prisão que lhes pôs não admite prisão preventiva, não dá para escutas telefónicas. É prioritário em quê?

ARF - As pessoas nunca são presas?

- Nunca são presas. Ninguém em Portugal é preso por corrupção. Por exemplo. Se o director nacional da PJ decidir equipar a instituição com computadores, faz uma firma com a irmã, compra-lhe os computadores e tudo o mais e se um dia for descoberto a pena do crime que cometeu, que é favorecimento pessoal, é de três anos. Nem o cargo perde. Este é um exemplo. Mas também há o abuso de poder e a pena é de três anos.

ARF - E não perde o cargo.

- Nada, não perde. E mais. Nunca é preso. Porque para ser preso preventivamente a pena tem de ser superior a cinco anos. Sabe que não vai cumprir pena efectiva e não vai perder o cargo. Muitas pessoas são condenadas a um ano de prisão por esses crimes, com a pena suspensa por dois. Isto não é digno.

ARF - Ou seja, não há corruptos presos em Portugal.

- Não há e dificilmente há com estas leis.

ARF - A comissão parlamentar pode alterar isso?

- À comissão vai analisar isso. Nós dizemos que se deviam alterar as penas para os crimes que já existem, assim como devíamos claramente criar um crime novo, o crime urbanístico, que não existe na nossa legislação. Repare. Na Câmara de Lisboa em 55 casos que foram analisados pela sindicância em 46 houve violação do PDM. Violação grosseira. Todos os processos foram arquivados porque essa violação, no Direito português, é uma mera irregularidade administrativa.

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