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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Motivos para uma Greve

Artigo enviado via email:
Desde o início da “greve” iniciada pela ASFIC que tenho sido questionado por várias pessoas não ligadas à Polícia Judiciária sobre as motivações da mesma, que parecem fúteis à luz do panorama nacional. Questões de outra natureza foram colocadas por colegas que não concordam com o rumo seguido pela associação sindical – com quem tenho tido desavenças – e que também contestaram a minha tomada de posição,uma vez que aderi a este protesto. Confesso que a recorrência das perguntas levou-me a reflectir sobre as minhas decisões. Mas após observar tudo o que se passa na P.J., em seu redor, e também na vida dos seus funcionários, realizei como mais acertada e racional a minha opção. Não tenho agora dúvidas que, nesta questão como noutras, não há possibilidade de reclamar neutralidade: ou estamos do lado da ASFIC ou estamos do lado da direcção da P.J. e da sua tutela.
Funcionário há mais de uma dezena de anos, apercebi-me que as sucessivas direcções da P.J. e Ministros da Justiça têm uma maneira peculiar de lidar com os problemas que vão surgindo: consiste em negar a sua existência e sugerir que os ditos problemas são meras invenções dos que os expõem. Esta postura dos dirigentes, porque desmotiva quem identifica falhas na instituição ou nos procedimentos, tem contribuído para o laxismo e desinteresse do pessoal da investigação criminal, sendo as penosas cargas de trabalho vindo a ser realizadas voluntariamente por cada vez menos funcionários. A acrescentar a isso, tenho-me apercebido da existência de colegas mais antigos que, apesar de se terem exposto tantas vezes ao perigo, e terem perdido incontáveis horas fora do horário de expediente, nunca foram protegidos ou beneficiados por aqueles que se apoderaram do fruto do seu trabalho (e o exibiram aos media como um troféu de caça deles próprios, obviamente). Pelo contrário: ao longo dos anos vi colegas que – legitimamente, saliente-se - usufruíram do estatuto de trabalhador-estudante; realizaram várias acções de formação que lhes foram
proporcionadas pela hierarquia; aceitaram nomeações para cargos, serviços e “equipas especiais”; e de tudo isto beneficiaram em sede de concursos para promoção - apesar de terem produzido menos - não obtendo qualquer bonificação todos aqueles que apenas
puderam exibir um currículo repleto de investigações realizadas e seus resultados, ou seja, com o seu trabalho e dedicação incomparáveis.
Portanto, quando me questionam sobre a natureza da “greve às horas extraordinárias” e o porquê de ter aderido a esta forma de luta, respondo recorrendo aos motivos anteriormente expostos:
-não vale a pena trabalhar mais para ganhar o mesmo,ou correr mais riscos para não obter reconhecimento;
- de que vale prescindir do convívio com a família e amigos para lutar pelo bem comum e por ideais que, estranha
e incompreensivelmente, são os da P.J. mas não são os mesmos da cadeia hierárquica?

Recambiando as questões, pergunto aos que criticam a “greve” se não fariam greve no seu local de trabalho se fossem penalizados criminal e/ou disciplinarmente à mínima falha; se trabalhassem em média 20/30/40 horas a mais por semana e não recebessem sequer o valor-hora correspondente ao salário mínimo; se sofressem pressões e discriminações por apenas ousarem pretender melhorar o serviço; se a Lei e decisões dos tribunais estivessem a ser violadas pela sua direcção; se sentissem que caminhavam para um abismo por manifesta má gestão; se não tivessem perspectivas de a longo-prazo poderem progredir na carreira; se lhes fosse amputado parte do salário; se tivessem assinado um contrato que não estava a ser cumprido pelo empregador; e se executassem neste quadro de tensão funções de elevada responsabilidade com interferência na vida de pessoas inocentes.

Por todo exposto, a minha atitude só podia ser: não trabalhar para lá do horário normal até receber compensação adequada ao tempo que me é subtraído.
Espero assim ajudar a fazer pressão sobre o Ministério da Justiça e a direcção da Polícia Judiciária,não por uma questão de dinheiro, porque essa, de facto, é uma questão secundária face à gravidade dos problemas da P.J., mas principalmente por ser a forma de não extraviar o resto da vida a que tenho direito como cidadão, depois de já ter oferecido os meus melhores anos a uma instituição que não raras vezes maltrata quem melhor a serve.
O que realmente pretendia com esta forma de protesto, mais do que o pagamento justo pelo trabalho desenvolvido, era que fosse implementada uma gestão profissional na Polícia Judiciária – com gestores a sério - onde fosse reconhecido que é o Inspector
o elemento mais importante da investigação criminal, assumindo-se que os resultados só surgem através do seu desempenho e da equipa onde está inserido
.
Pretendia-se assim que a Direcção se preocupasse apenas e só em facultar os meios necessários para que as investigações chegassem a bom porto; que os cada vez mais escassos recursos fossem aproveitados para servir a investigação e não as mordomias de certas pessoas; que a Lei fosse cumprida e que se exigisse o seu bom cumprimento pelos demais OPCs e Tribunais; que a dedicação fosse reconhecida e, de alguma forma, valorizada; e que, com trabalho competente, patriótico e cívico, fosse honrado o exemplo dos nossos heróis caídos e dada resposta a quem à P.J. recorre clamando por Justiça.
Não tenho dúvidas que se não forem satisfeitas estas pretensões nos próximos anos, fecharemos portas. Individualmente ninguém perderá: não haverá despedimentos nem redução de salários. Pelo contrário, muitos até irão usufruir de algumas das regalias que são oferecidas às outras forças de segurança, onde serão integrados. Mas tenho para mim que a P.J. é actualmente o último pilar do Sistema de Justiça que se mantém orgulhosamente incólume, apesar de críticas invejosas e mesquinhas de alguns sectores minoritários. Caindo este pilar, também cairá com estrondo o que resta da esperança dos cidadãos num sistema justo e equitativo. E largos anos irão passar até voltar a haver algum controlo sobre a criminalidade mais complexa, que afecta sobremaneira o Estado, a economia e a vida em sociedade. E nessa altura, não haverá greves nem protestos que nos valham, porque os responsáveis pela desgraça estarão a ver-nos de longe, a abanar a cabeça em sinal de desacordo e a dizer uns para os outros que no tempo deles não havia problemas.

Um Inspector como tantos outros

4 comentários:

Anónimo disse...

Como me revejo nesta opinião...

A questão é que o cidadão comum não faz ideia do que realmente se passa.
Os políticos brincam às reformas e alterações na Justiça, sem terem a mínima ideia das suas consequências. As hierarquias cada vez mais são "corpo presente" e assumem a uma posição de "desresponsabilização", não assumem as responsabilidades do seu cargo que parece só existir para algumas mordomias. Quem se vai preocupando (cada vez menos) com a situação da PJ são os inspectores... incrivelmente tratados como carne para canhão, desacreditados perante um estatuto de carreira de investigação inexistente...

Investigador criminal disse...

Obrigado pela colaboração.
De facto esta greve é um ( o último?) grito de uma instituição que se foi degradando nos últimos anos em grande parte devido á falta de qualidade das direcções e das más escolhas nas progressões hierárquicas.
O pior disto tudo é que o actual Director Nacional - para muitos o pior que passou na PJ - é " prata da casa", é um Policia, ex-sindicalista e o que fez em prol da casa? Fica a pergunta...
Infelizmente a PJ é cada vez mais uma instituição onde reinam os umbigos e onde não existe uma estratégia.
E tudo isto numa instituição onde a grande parte dos funcionários tem - ainda- orgulho em pertencer,onde existe uma cultura única de solidariedade, profissionalismo e -pasme-se - Justiça!(Todos os Policias sabemos que dentro de muitas salas de Policia se faz mais justiça do que nos Tribunais- summum ius, summa iniuria).
E depois disto, o que nos espera? Esperemos até Maio para ver o que o PS nos reserva, qui ça o Ricardo Rodrigues como Coordenador da secção de crimes contra o património, la´esperança tem ele.....

Investigador criminal disse...

Obrigado pela colaboração.
De facto esta greve é um ( o último?) grito de uma instituição que se foi degradando nos últimos anos em grande parte devido á falta de qualidade das direcções e das más escolhas nas progressões hierárquicas.
O pior disto tudo é que o actual Director Nacional - para muitos o pior que passou na PJ - é " prata da casa", é um Policia, ex-sindicalista e o que fez em prol da casa? Fica a pergunta...
Infelizmente a PJ é cada vez mais uma instituição onde reinam os umbigos e onde não existe uma estratégia.
E tudo isto numa instituição onde a grande parte dos funcionários tem - ainda- orgulho em pertencer,onde existe uma cultura única de solidariedade, profissionalismo e -pasme-se - Justiça!(Todos os Policias sabemos que dentro de muitas salas de Policia se faz mais justiça do que nos Tribunais- summum ius, summa iniuria).
E depois disto, o que nos espera? Esperemos até Maio para ver o que o PS nos reserva, qui ça o Ricardo Rodrigues como Coordenador da secção de crimes contra o património, lá experiêncua tem ele.....

Anónimo disse...

Ê um facto q as coisas como estão nao podem ficar. A mim custa me muito mas mesmo muito deixar uma investigação a meio... É verdade q eu gostava de cumprir a minha palavra e levar este protesto até ao fim... Já estamos há 2 meses nisto e não se viu qualquer evoluçäo!!!
Acham que o governo vai ter margem para negociar alguma coisa?? So pergunto: e agora??? O ministro nao cede nós nao cedemos... Vamos continuar ad eternum com isto!! Há q fazer alguma coisa... Outras formas de protesto! O fazer nada é q nao!

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