Acácio Pereira. “Não faz sentido que a GNR e a PSP continuem a existir em separado”
Por Rosa Ramos, publicado em 15 Abr 2013 - 03:10 | Actualizado há 3 horas 48 minutos
Presidente do sindicato do SEF defende a desmilitarização das polícias e diz que é urgente fundir a PSP com a GNR por ser “a única forma de rentabilizar recursos”
Portugal deixou de ser um país atractivo para imigrantes e os que agora atravessam as fronteiras, fazem-no de passagem para outros países da Europa. O presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) explica como a crise alterou o perfil dos imigrantes e faz aumentar a criminalidade entre as comunidades estrangeiras. “Hoje há imigrantes a explorarem portugueses”, avisa. Acácio Pereira diz que estas novas realidades são mais complexas de investigar e exigem polícias especializadas. Por isso, defende que o SEF não pode ser fundido com nenhuma polícia generalista. Em entrevista ao i, o presidente do SCIF não poupa críticas às outras forças de segurança, defende a desmilitarização das polícias e a fusão urgente da GNR com a PSP.
A crise mudou o rosto da imigração em Portugal?
É notório que há menos imigrantes. Muitos estrangeiros eram oriundos de economias emergentes e decidiram regressar aos países de origem. Mesmo assim, e tendo em conta a percepção que vamos tendo no aeroporto, não está a acontecer o êxodo que se perspectivava que pudesse acontecer. Ainda assim, têm saído muitos imigrantes, sobretudo sul-americanos e do Leste da Europa. Actualmente, a maior pressão migratória resulta da vinda de africanos: algumas economias de África continuam a olhar para a Europa como uma oportunidade. Mas não são pessoas que entram em Portugal para ficar.
Portugal continua a servir de porta de entrada para outros países europeus?
Sim. E por isso o trabalho do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no que diz respeito ao controlo de fronteiras não diminuiu. Pelo contrário, hoje há a necessidade de trabalhar mais as fronteiras porque quem entra em Portugal já não é o típico imigrante económico, que vinha para trabalhar e já estava devidamente identificado e tipificado. Estamos a assistir a um novo tipo de imigração económica, proveniente de destinos que não eram habituais.
Que imigração é essa?
Passaram a chegar mais imigrantes de países asiáticos, como a Índia ou o Paquistão. Pessoas que, como disse, não vêm para ficar, estão inseridas em comunidades que já existem em outros países europeus, como Inglaterra, Alemanha e França, e utilizam Portugal como porta de entrada. A imigração direccionada para o território nacional diminuiu, mas a pressão ao nível do controlo de fronteiras é hoje maior devido ao aumento de imigrantes que tentam chegar a outros países.
A situação dos imigrantes que continuam em Portugal está diferente?
Nota-se um aumento da criminalidade nas comunidades imigrantes, fruto do ambiente económico. Há uns anos, o crime praticado por estrangeiros era um fenómeno residual. Hoje os números são mais expressivos - o que tem impacto ao nível do trabalho das polícias e também ao nível processual. Tem-se assistido a uma subida exponencial do número de processos de expulsão judicial. À medida que vão aumentando as economias paralelas, aumentam também outras situações de subsistema: mais pessoas a explorar, a cair na clandestinidade, sem protecção social.
Que crimes aumentaram mais?
Toda a criminalidade de uma maneira geral. Inclusivamente agora começa a aparecer um fenómeno novo: se antes eram sobretudo portugueses a explorar a fragilidade de quem imigrava para extrair vantagens económicas, neste momento, e como não há emprego, começamos a encontrar estrangeiros que criam núcleos clandestinos e exploram portugueses. Ainda não é um fenómeno expressivo, mas começa a aparecer. Isto é o reflexo de que a economia muda e traz outro tipo de realidades.
Estas novas realidades implicam mais trabalho para as polícias?
Naturalmente. E por isso é preciso um reforço de meios, materiais e humanos. Para acompanhar a necessidade de maior controlo nas fronteiras, maior fiscalização e investigação. As realidades mudam a uma velocidade tão grande que é preciso um conhecimento e uma especialização cada vez maior por parte de quem investiga estes fenómenos.
Tem falado muito da falta de pessoal no SEF. Continua a ser um problema?
Foi anunciado um reforço de pessoal, mas ainda não há nada em concreto. Desde 2004 que não há novas admissões e desde 1990 só abriram cinco concursos para inspectores. O SEF precisa urgentemente de uma injecção de pessoal. Os quadros estão altamente deficitários e começa a haver dificuldade em fazer o trabalho. Há pontos com significativas faltas de pessoal, como os Açores, a Madeira ou o Algarve.
Têm faltado meios materiais também?
Faltam meios, é óbvio. Temos um parque automóvel velho e que já não responde às necessidades do serviço. Muitos dos carros já ultrapassaram os 500 mil quilómetros, as despesas de manutenção são elevadíssimas e os consumos astronómicos. Estamos a falar de viaturas de 1994 e 1995. Denunciámos a situação, que se vai deteriorando, e a tutela prometeu que iria resolver o problema, mas entretanto as regras para as aquisições estão mais apertadas. Não sabemos quando poderemos ter uma solução. Depois há o problema das instalações. Algumas são caras, como é o caso da sede, em Oeiras - que entretanto deverá mudar de local. Outras não têm condições. Como é o caso de Beja, em que crescem literalmente cogumelos nas paredes e não há condições mínimas de segurança e de higiene. Os funcionários vão mudar agora para um contentor, o que é um ganho enorme: apesar de tudo, as condições serão melhores. Dificilmente se encontram instalações assim em toda a administração pública.
A falta de pessoal de que falava está a pôr em causa a segurança?
Ainda não, mas só porque os funcionários se têm submetido, em todo o país, a uma enorme sobrecarga de trabalho. A gestão de recursos humanos tem sido apertada e os inspectores não podem estar adstritos a uma determinada área: um funcionário que faça controlo documental é puxado para a investigação, se necessário. Tapa--se de um lado e destapa-se do outro e cada inspector faz o trabalho de dois ou três. Isto não é admissível por muito mais tempo, estamos claramente no limite. E, no meio de tudo, é curioso notar que o SEF sai mais barato à administração pública que os outros órgãos de polícia. O orçamento do SEF é menor do que aquilo que o Estado gasta com os serviços de Saúde da GNR.
Mas são universos diferentes, a GNR tem mais de 20 mil militares.
Sim, mas refiro-me só ao sistema de Saúde da GNR. O SEF sai mais barato ao Estado que o sistema de Saúde da GNR.
Mas sai mais barato, porque o orçamento do SEF é reduzido ?
Não só por isso. Por exemplo, no SEF todos os indivíduos exercem funções de polícia. O mesmo não se passa noutras forças de segurança. Nós não temos bandas e fanfarras. Bandas e fanfarras no século XXI? Qual é o benefício para a segurança? Nenhum. Os recursos financeiros do SEF são unicamente canalizados para a parte operacional. Outro exemplo: a GNR não tem qualquer tipo de competências na área metropolitana de Lisboa, mas a unidade de honras de Estado tem cerca de 1200 efectivos. Estamos a falar de um efectivo perfeitamente inoperacional do ponto de vista da segurança interna e que é superior ao nosso. E nós temos competência territorial nacional, ao contrário da GNR e da PSP que dividem as suas competências. Isto é, aliás, uma coisa que não se justifica.
Defende então uma mudança no actual modelo das polícias?
O que defendo é a existência de três polícias independentes e civis. O SEF para a imigração e as fronteiras, a PJ para a investigação criminal e uma polícia civil, que integraria a GNR e a PSP, para a prevenção do crime e a manutenção da ordem pública. Não faz sentido que a GNR e a PSP continuem a existir em separado.
E essa fusão seria possível na prática, atendendo ao facto de a GNR ter cariz militar e a PSP cariz civil?
Seria possível, sim. A Carta Social Europeia preconiza a desmilitarização das forças de segurança.
Como é que se fundiam, por exemplo, as patentes militares com os postos da PSP?
Isso é uma questão que não levanta problemas: existe um paralelo nas duas estruturas orgânicas da PSP e da GNR. Praças correspondem a agentes. Sargentos a chefes. Nos oficiais, tenentes correspondem a subcomissários. Capitães a comissários e por aí adiante, até se chegar aos generais - que não são assim tão poucos. A desmilitarização é urgente e os militares têm de ser colocados a fazer aquilo que sabem fazer, que é a Defesa. E os polícias têm de fazer segurança. Se se quer fazer uma rentabilização de recursos, o modelo só pode ser este. Há os que defendem um sistema dual, mas isso não faz sentido. Porque não criar então um sistema dual também na Justiça? Podíamos ter dois Tribunais Constitucionais - se um falhasse tínhamos outro. Ou dois parlamentos. E dois governos.
Mas o sistema dual pretende acabar com redundâncias do sistema e competências que se sobrepõem.
Se há duplicação de competências é entre a GNR e a PSP. E ainda não foi apresentado nenhum estudo que mostrasse as verdadeiras vantagens de um sistema puramente dual. O que temos em Portugal é uma espécie de sistema dual mitigado. Felizmente, tivemos a inteligência de criar mecanismos de compensação. E criaram--se organismos como o SEF, apostando num serviço civil e especializado, com mecanismos próprios para o controlo fronteiriço - que é uma área muito específica e que exige conhecimentos e sensibilidades muito específicos. Porque é que existe a PJ? Porque são necessários profissionais especializados na área da investigação criminal. O SEF faz sentido pela mesma razão: as áreas do controlo de fronteiras e da imigração são muito complexas. Não são propriamente áreas em que possamos pôr militares a trabalhar.
Tem receio de que o SEF possa ser extinto?
Entendemos que o bom senso prevalecerá, é a única forma da segurança não ser beliscada. Vivemos num mundo complexo, em que a técnica e a especialização têm de imperar. Acabar com o SEF seria recuar. Na Europa, aliás, há uma tendência agregadora comum ao nível das polícias de fronteiras no sentido de se criarem regras comuns. Por isso, não faria sentido integrar o SEF numa força de segurança generalista.
4 comentários:
O que não tem qualquer sentido é manter o SEF como está pois é um desperdício de meios a todos os níveis. Terá mais sentido fundir o SEF/PSP e criar a partir daqui uma Polícia Ncional que por arrastamento trará também a PJ.
A GNR terá que ser mantida à parte como uma guarda nacional, uma espécie de último reduto da Republica.
...concordo! Aliás, o seu contrário, isto é, manter tudo tal e qual como está, é o mais puro dos derperdicios. A reorganização das policias, defenindo orgânicas e competências tem vindo a ser objecto de diversos estudos ao longo dos últimos anos, com respostas e soluções bem defenidas. Contudo, devo reconhecer que existem interesses em setores chave das diversas policias, que sacrificam os superiores interesses da sociedade, em deterimento das eternas "quintinhas" e os tão desejados "tachos".
ó anónimo a GNR como último reduto do que?
Qual a verdadeira diferença entre a PSP e a GNR. Apenas a condição militar. Caro camarada (não digo colega que é para não ferir suscetibilidades se quer ser militar vá para o exército. Se quiser ser polícia, deixe a "condição" de lado. Não há justificação para duplicar valências, que no caso da GNR não duplica, quintuplica. São bombeiros, são mergulhadores "forenses, são "anti-bombas", são"policia marítima", são ordem pública com e sem cavalos, são charangas e bandas de música, ou seja, tudo menos para aquilo que 95% do território paga impostos, serem POLÍCIAS.
Acho que o Sindicato dos Oficiais da PSP tem razão quando diz que se poupavam 145 milhões "dólares".
Ass. Lobo Mau
Há muito que em Portugal os serviços e as forças de segurança, bem como os militares, deveriam de ter sido repensados pois não tem lógica existirem em neste pequeno país vinte e sete órgãos de polícia criminal!! Nem setento e cinco almirantes para dois navios!! E depois há esquadras da PSP a cair aos bocados e etc!!
Está mais que visto, e não é necessário PENSAR muito, que em Portugal só faz sentido uma Polícia Nacional, fundindo a PSP/SEF/PJ, uma Guarda Nacional (GNR), um SIS, e uma estrutura militar adequada à nossa dimensão como país que nos permita cumprir as nossas responsabilidades no âmbiro da NATO, e pouco mais!!
O nosso problema é que vivemos em função de corporativismos e não em nome da res publica!! Há que compreender de uma vez por todas que há uma classe dirigente em execesso nos actuais serviços e forças de segurança, e nos militares, que não se justifica pois o que interessa é possuir uma polícia com uma boa estrutura operacional com pessoas bem formadas e competentes no assumir das suas funções e dessa forma servir com qualidade a população!!!!
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