Debate de temas sobre a Policia Judiciária, investigação criminal, prática judiciária e temas de direito. Se quiser enviar artigos: invescriminal@gmail.com

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Uma BOMBA da ASFIC/Norte

DRN01/2012 de 13 de Fevereiro de 2012

A abertura do Ano Judicial 2012 fica marcada pela assunção pública, por parte da Ex.ma Ministra da Justiça, da existência de duas justiças – uma para pobres e outra para ricos. Traduziu-se, a nosso ver, num acto de coragem que devemos registar, principalmente quando provém do responsável máximo pela “pasta da Justiça” - “Em suma, poremos termo a expedientes dilatórios que fazem uma justiça para pobres e outra para ricos.” – assim o afirmava o ponto 17 do discurso da Srª Ministra aquando da cerimónia de abertura do Ano Judicial.
A DRN ASFIC/PJ entende que o argumento da sua existência não deve quedar-se tão só pela actuação funcional dos Tribunais, do MºPº ou das polícias e da sua conformidade com a Lei.
A Justiça estende-se e realiza-se, todos os dias, por actuações, acções e omissões, funcionalidades e intervenções da própria Administração Pública na sua relação com os particulares. Esta Administração Pública subordina-se a um considerável conjunto de princípios estruturantes de consagração constitucional e dos quais se destacam aqueles que enformam o próprio Código do Procedimento Administrativo. Daqueles, para o que aqui importa – quanto à realização da Justiça – invocam-se:
- O Princípio da Igualdade – que impede a Administração Pública, na sua relação com os particulares, de favorecer ou desfavorecer qualquer cidadão por razões de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social; e que apesar de não impor uma igualdade de tratamento absoluta, ou seja, a igualdade é aplicável a situações equiparáveis – estando em causa situações objectivamente diferentes, também devem ser tratadas de forma adequadamente diversa – encontra-se limitado pelo princípio da não-discriminação;
- O Princípio da Imparcialidade – obriga à isenção dos órgãos da Administração Pública, impedindo-os que se deixem influenciar por razões subjectivas ou pessoais, que os conduzam a indevidamente favorecer ou desfavorecer certos particulares;
- O Princípio da Justiça – que obriga a Administração Pública a actuar por forma ajustada à natureza e circunstâncias de cada caso ou situação – consubstanciando um reforço aos princípios já invocados.
A “cegueira” da Justiça enquanto corolário da igualdade, imparcialidade e isenção só pode pois querer significar a dignificação de uma Justiça Imaterial que se pretende alcançar muito para além das actuações funcionais dos vários operadores judiciários.
Não obstante a exigência presente em todos estes princípios enformadores, certo é que não raras vezes os órgãos da Administração Pública, por um motivo ou por outro, consciente ou inconscientemente, apoderam-se e fazem uso da “espada da Justiça com a venda descaída”.
Ora, não deixa de ser preocupante vermos que, também na Polícia Judiciária, alguns dirigentes da Administração Pública o fazem.
O exemplo de notícia mais recente chega-nos pela actuação da Direcção da Directoria do Norte da Polícia Judiciária.
No passado dia 2 foi recebido nas instalações daquela Directoria o Presidente da Câmara Municipal do Porto. Leia-se recebido, porquanto o foi efectivamente.
Foi assegurado o estacionamento da viatura presidencial no interior das instalações da Directoria e a escolta pessoal do edil e acompanhantes. Registe-se que tais serviços foram assegurados pelo Subdirector daquela Directoria, Dr. Pedro Machado que, providenciou pela condução dos “visitantes” até ao piso e sala onde o edil iria participar numa diligência processual.
E se até aqui, há que conceder que tal actuação pudesse ter acontecido no sentido de afastar o mediatismo que certas figuras originam, certo é que o desenrolar de toda a “visita” afasta por completo essa possibilidade, pelo que não podemos deixar de registar e reputar como muito grave, o tratamento diferenciado que foi prestado, comparado com o tratamento que recebem as outras dezenas de intervenientes processuais que se deslocam diariamente às instalações da Directoria do Norte.
Merecedor ainda de profundo repúdio por parte desta DRN ASFIC/PJ é que aquele Sr. Subdirector, na presença daqueles “convidados”, não só questionou o Inspector notificante sobre quais os motivos porque a Direcção não tivera conhecimento prévio de que o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto se iria deslocar às instalações da Directoria do Norte, como ainda questionou o Inspector quanto à adequabilidade da sua sala de trabalho (aquela em que recebe todos os intervenientes processuais) para se proceder à inquirição do interveniente processual em causa. Cremos que terá obtido a resposta que se impunha. Esta actuação representa uma repreensão verbal pública a um subordinado, absolutamente inadmissível.
Como se não bastasse o comportamento absolutamente reprovável e indigno para um dirigente da Polícia Judiciária, o mesmo permaneceu no corredor nas imediações da sala em
causa. Desconhecem-se os motivos de tal comportamento, zelo e cautela manifestamente desajustados e excessivos, mas que, acreditamos, tenham estado na origem das instruções que se seguiram e que levaram a que todos os Inspectores que trabalham naquela sala (excepto o inquiridor) a abandonassem e que na mesma mais ninguém entrasse.
Finda a diligência, aquela entidade voltou a ser acompanhada pelo mesmo Subdirector até à viatura que estacionara no interior das instalações da Directoria.
Ora, estes comportamentos, quer os tenha procurado o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, quer os tenha oferecido a Direcção desta Directoria, são, por si só, reveladores da existência de uma Justiça Dual, ou pelo menos, de uma Justiça com duas portas de acesso – uma sempre aberta para todo e qualquer cidadão e outra que se abre de quando em vez e de forma selectiva.
É portanto inqualificável que na Administração Pública, e em primeiro lugar na PJ, se verifiquem estes comportamentos corrosivos da dignidade das instituições e, bem assim, daqueles que nelas, diariamente, prestam o seu nobre contributo.
Acresce que é também destes pequenos/GRANDES episódios que se faz a história, que se fazem as instituições e as pessoas que as servem, é também destes pequenos/GRANDES episódios que se criam hábitos, relações, influências e favores, porque é através destes
pequenos/GRANDES episódios que gerações e países hipotecam o seu futuro…
Desta forma, Sr. Subdirector Dr. Pedro Machado, a DRN ASFIC/PJ e os seus Associados demarcam-se, repudiam e condenam veementemente a actuação de V. Ex.ª, apontando este lamentável episódio como um péssimo contributo que presta à Sociedade em geral e à PJ em particular, num momento como aquele que é, actualmente, vivido por toda a sociedade
portuguesa.
Aos cidadãos que entram pela porta geral pretendemos afirmar que “Vos olhamos a todos de forma igual” e que esta situação em concreto não espelha a actuação isenta e imparcial que a PJ desenvolve.
Do exposto se deve concluir que, a simples observação dos factos não será suficiente para o combate a estas graves actuações, pelo que cremos que consequências mais graves daqui deverão ser retiradas.
À Sociedade a quem servimos afirmamos que não são os poucos maus exemplos que se verificam na estrutura directiva da Polícia Judiciária que mancham o nome da PJ, são sim os imensos bons exemplos emanados da grande maioria dos seus funcionários que lhe dão o bom nome e reputação que tem merecido.


A Direcção Regional Norte

Sem comentários:

Arquivo do blogue

Acerca de mim

Lisboa, Portugal
Investigador Criminal