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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Uma entrevista aplicável à PJ

Hélder Andrade. “O ex-director nacional da PSP era uma pessoa muito influenciável”
Por Rosa Ramos, publicado em 27 Jan 2012 - 03:10 | Actualizado há 4 horas 38 minutos
O presidente da Associação Sindical de Oficiais de Polícia da PSP acusa Guedes da Silva de só ter ouvido um único grupo dentro da polícia


Poucos dias depois de Miguel Macedo ter exonerado Guedes da Silva da direcção nacional da PSP, Hélder Andrade, presidente da Associação Sindical de Oficiais de Polícia (ASOP), diz ao i que a decisão só pecou “por ser tardia”. O sindicalista diz que há oficiais na PSP “que não olharam a meios” para progredir na carreira, que se tem “premiado a arrogância” nos comandos e que há despesismo na polícia. “Há quem fique com as despesas de representação e acumule casas de função com viaturas de serviço”, acusa.

Existem nove sindicatos na PSP. Serão precisas tantas estruturas sindicais?

Primeiro que tudo é preciso perceber porque é que existem tantos sindicatos. Inicialmente só existia um. Só que a tutela e a direcção nacional da PSP entenderam dividir para reinar e dispersar. Tanto quanto sei, existem sindicatos que foram criados para esse efeito.

Para estarem colados às posições da direcção nacional e da tutela?

Para fragmentarem a união sindical que existia. Penso que é necessário haver mais do que um sindicato. Se me perguntar se o actual número é exagerado e que se deve reduzir, concordo. Mas é preciso que haja pelo menos um sindicato por classe, um ou dois generalistas e uma federação. Para se salvaguardar a independência sindical. Penso que já existe a percepção, dentro da polícia, de que se deve caminhar para o federalismo. Tanto que existe uma federação.

Que conta apenas com três estruturas...

Sim, mas há processos de adesão em curso.

Tem-se falado num clima de desunião dentro da PSP. Terá a ver com a existência de tantos sindicatos?

Não, de forma alguma. Os únicos culpados pela situação que se vive na polícia são a tutela e as últimas duas direcções nacionais. Repare que o melhor dos sindicatos de uma polícia deve ser o seu director nacional. E um bom director aniquila qualquer sindicato, se tiver capacidade de negociação, de resolução dos problemas e vontade. Para que é uma empresa precisa de um sindicato se o patrão for o primeiro a defender os seus subordinados? O que acontece é que, por vezes, os directores se esquecem que têm o dever de defender os polícias e preferem agradar à tutela. Tornam-se embaixadores da tutela. Outras vezes, preferem defender uma determinada classe e atender somente a um punhado de interesses.

Que interesses são esses?

Um bom exemplo foi o que aconteceu durante a direcção de Oliveira Pereira, em que foram feitos mais de mil recrutamentos excepcionais, escolhendo-se pessoas sem qualquer tipo de critério ou transparência. Aboliram-se os concursos de promoção ditos normais – que custavam cerca de 25 milhões de euros – para se arranjar outro tipo de modelo que custou 30 milhões. O que a direcção nacional fez foi recorrer a um mecanismo que existe na lei para situações excepcionais, aplicando-o a muitas centenas de pessoas escolhidas a dedo – ou por comissão de serviço a três anos ou por graduação por seis meses. Isto saiu mais caro ao erário público e desuniu os oficiais, que olhavam para o lado e viam colegas a serem promovidos sem perceberem porquê. Foram centenas de casos, quase se roçou o favorecimento pessoal.

No caso do novo director nacional, é possível que se tenha de recorrer a esse mecanismo, dado que não haverá superintendentes-chefes para ocuparem o lugar. Choca-o, tendo em conta que há tantos oficiais à espera de promoção?

Não, porque será uma situação excepcional e porque, de facto, não existem superintendentes-chefes. Além do mais, a indigitação do novo director reúne amplo consenso e todos os sindicatos lhe reconhecem competência. Se há um entrave legal, que se ultrapasse. É exactamente para estas situações que o regime excepcional existe. Até acho que se deve fazer, de imediato, outra coisa: abrir já concursos para a provisão de todos os cargos que existem.

Em época de contenção orçamental?

A abertura de concursos não tem custos. Abre-se um concurso e as pessoas ficam graduadas numa escala. Um concurso que tenha validade por dois anos. Assim, os polícias já sabem o que os espera e que daqui a dois anos serão promovidos. Isto traria paz e sossego institucional: promovendo os polícias, ainda que não auferindo no imediato as devidas compensações pecuniárias.

E vale a pena ter a graduação e não ter o dinheiro?

A PSP é uma instituição que precisa de ser vista por dentro. É preciso perceber que numa instituição hierarquizada isto faz toda a diferença. É urgente abrir um horizonte e ter uma luz ao fundo do túnel na progressão da carreira.

O que pensa da exoneração do superintendente-chefe Guedes da Silva?

Pecou por ser tardia, há muito que deveria ter saído. Desde o início que se percebeu que não era a pessoa certa para estar à frente da PSP. Foi um excelente operacional no terreno, no palco de operações, mas não tinha perfil para o cargo.

Porque é que não era a pessoa certa?

Porque não foi capaz de resolver os problemas do oficialato, no que diz respeito às progressões e nunca mostrou vontade de unir os oficiais numa classe única. Não tinha assertividade, nem capacidade de decisão. Aliás, nunca teve capacidade de resolver questões simples, que tinham a ver com horários e que nem implicavam custos. E também não tinha capacidade negocial.

Com quem?

Com os sindicatos. Limitava-se a apresentar dados e só ouvia os sindicatos para cumprir formalismos. Mas isto já o seu antecessor, Oliveira Pereira, fazia.

Porque Guedes da Silva não resolvia esses problemas mais simples?

Só ele saberá, mas estou em crer que seria por estar mal aconselhado e se deixar levar por vozes e pessoas que não foram as melhores conselheiras.

Que pessoas são essas?

Isso já não sei. Só ele poderá saber por quem se rodeava, mas nenhum director nacional decide e cai sozinho. Cai porque tem maus conselheiros.

Está a falar dos adjuntos?

Supostamente, ele deveria ouvir os adjuntos, mas também deveria ouvir outras pessoas, não sei. Creio que a culpa não foi só dele, mas das pessoas que ouvia. Mostrou ser uma pessoa muito influenciável. E se calhar algumas das pessoas que ele ouviu foram as que mais tarde o traíram.

O antigo director favorecia uma classe específica, dentro dos oficiais?

Não posso afirmar isso. O que digo é que ele só ouvia um grupo.

Alguns desses conselheiros terão subscrito a carta dos superintendentes?

Talvez. Há oficiais na PSP – e não me estou a referir a ninguém em concreto, estou a falar no geral – que nunca pensaram ascender num tão curto espaço de tempo. Na GNR e nas Forças Armadas não se vai de capitão a general em dez anos. Houve pessoas que não olharam a meios para atingir os seus fins. Talvez os dois últimos directores nacionais, porventura por alguma ingenuidade, se tenham deixado levar por pessoas ambiciosas e cuja preocupação principal foi progredir dentro da PSP.

Se for como diz, mudam-se os directores, mas as pessoas continuam na polícia e os problemas também.

Não vejo isso assim. Deposito um grande voto de confiança no novo director nacional, porque é muito inteligente e com uma visão global dos problemas e grande conhecimento institucional. É por isso que a indigitação reuniu consenso. Não estou a vê-lo a cair nos mesmos erros e a dar ouvidos a determinadas pessoas, conforme fizeram os seus antecessores. Até porque é urgente uma lufada de ar fresco e uma mudança muito grande dentro da polícia. Impõe-se que ele dê ares de mudança e não nomeie as mesmas pessoas para a sua equipa.

Lidar com essas influências de que fala é um dos maiores desafios que Valente Gomes terá pela frente?

Penso que será um problema simples de resolver. Ele é o director e tem poder para decidir se quer continuar com uma equipa capaz de lhe arranjar problemas e de o apunhalar pelas costas ou construir um grupo da sua confiança que mostre a todos os polícias que há um rumo novo na instituição e uma mudança.

Mudança em que sentido?

Escolher pessoas com capacidade de negociação e diálogo. Tem de se acabar, de uma vez por todas, com a prepotência e o autoritarismo que tem existido nos cargos de chefia e de direcção da polícia.

Tem havido prepotência nas chefias?

Neste momento, os problemas que existem na polícia, a nível de comando e direcção, advêm do facto de se ter valorizado e premiado, com os últimos dois directores nacionais, a arrogância e a prepotência. Nenhum foi capaz, por exemplo, de ir contra uma decisão errada de um comandante distrital. Mesmo que toda a gente fosse contra e essa decisão fosse má. Nunca tiveram coragem para demitir um comandante por exercer um mau comando.

Miguel Macedo disse que com a nomeação de Valente Gomes pretende iniciar um novo capítulo na PSP. Isso é possível?

Não só é possível como é exigível. E mesmo em matéria orçamental, há imensas medidas que podem ser tomadas para reduzir custos na PSP.

Pode dar exemplos?

Acabar imediatamente com os recrutamentos excepcionais e abrir concursos. Além disso, tem acontecido um fenómeno recorrente na polícia que já não é de agora: existem determinados cargos que têm despesas de representação. Os valores são elevados e o dinheiro serve para despesas de relações públicas internas e externas – não são um acréscimo de salário, nem podem ser. Até aqui, tudo bem. O que acontece é que as pessoas recebem um determinado valor mensal para essas despesas, por norma elevado, não o gastam e esse dinheiro torna-se num acréscimo salarial.

Há desperdício na PSP?

Neste caso, quase que apetece dizer que roça o enriquecimento sem causa. E também posso afirmar que existem mais de 30 pessoas na PSP que têm direito a casa de função na cidade onde trabalham – nada contra – e que acumulam essa regalia, paga pelo Estado, com viaturas de serviço, que usam para irem dormir à cidade de origem. Há alguns que optam, e bem, ou por uma coisa ou por outra. Mas a maioria acumula as duas coisas. Por outro lado, outra medida que permitira reduzir custos seria reformar a formação dos oficiais.

Em que moldes?

Actualmente, um oficial demora cinco anos a formar e custa ao Estado 180 mil euros. Todos os anos há uma turma de oficiais com 25 alunos – o que significa que cada fornada custa 4,5 milhões de euros. O ideal seria adoptar um modelo semelhante ao da PJ: o candidato a oficial chega já com 23 anos e uma licenciatura tirada de entre um leque de cursos previamente definidos. Depois, vai tirar um curso técnico de polícia à escola de Torres Novas. A seguir, tira comando e liderança no Instituto Superior de Ciências Policiais. Assim formavam-se oficiais em ano e meio com menos um terço de despesa para o Estado. E saíam melhor formados.

Mas actualmente não saem?

Saem, não estou a dizer isso. Mas qual é a empresa que emprega recém-licenciados logo para funções de chefia? O que acontece é que quando os oficiais saem do Instituto são colocados logo a chefiar esquadras, sem terem qualquer experiência. E, na polícia, a experiência é tudo. Deveriam existir comissariados. O oficial que chega entra como comissário-adjunto e aprende durante três anos, só depois lidera. Mas isto não é culpa dos oficiais. O sistema é que está errado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma entrevista de carácter sindical e a agradar ao novo Director Nacional da PSP. É engraçado que fale nos concursos de provimento da PJ, na teoria seriam bons, mas estes não são exemplo de nada, que eu saiba há candidatos que concorreram à PJ em 2010 e ainda não saiu a lista de Ordenação Final nem se sabe quando vai iniciar o curso de formação de inspectores estagiários.
De resto uma entrevista dentro do esperado e que não acrescenta nada.

Anónimo disse...

O sistema que impera nos concursos para inspector da Pj é bom e mais eficaz. É verdade. E o curso vai iniciar em Março.

Anónimo disse...

Reconheço que se o blogger não tivesse postado esta entrevista, a mesma me teria passado despercebida, o que teria sido uma pena.
Só quando deu a PJ como exemplo, percebi que não estava a falar de nós! Provavelmente o poder corrompe em qualquer instituição; os maus conselheiros existem em todo o lado e os bufos também; lá como cá, as cadeiras vão rodando mas os traseiros são sempre os mesmos; aparentemente também na PSP não tem havido DNs com "coisos" para demitir directores de departamento incompetentes, arrogantes, déspotas e mal formados.
Ao que parece, também na PSP os anteriores DNs não têm tido "tempo" para reunirem com os sindicatos, escutarem os seus argumentos e, tendo sempre em vista o melhor funcionamento da instituição que comandam, encontrarem soluções que não sirvam apenas os seus próprios interesses ou os do poder político que os nomeiam.
Não concordo com o comentário do anónimo das dez para as quatro, pela sua leitura tão redutora e alimento esperanças de que muito em breve, o Presidente da ASFIC possa ter um discurso similar, sinal de que algo mudou e ainda há esperança para o futuro da PJ.
O Tripeiro

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